quarta-feira, 12 de julho de 2017

Falácias Lógicas - Andreas Kostenberger


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A “lógica” (da palavra grega logos, “razão”) é a “ciência que trata dos princípios e critérios de validade da inferência e da demonstração; a ciência dos princípios formais do raciocínio” (Merriam-Webster). Enquanto a teologia, como estudo de Deus, transcende a mera lógica, é razoável esperar que a Escritura siga princípios comuns de raciocínio. Corretamente usada, a lógica emana proposições verdadeiras de outras proposições verdadeiras. Mesmo que a Escritura não possa explicitamente declarar uma determinada verdade, podemos fazer declarações verdadeiras que têm a autoridade da Escritura por trás delas se forem corretamente derivadas do que a Escritura diz seguindo princípios de raciocínio lógico.
Uma compreensão básica das regras da lógica é crucial para a hermenêutica sadia. Falácias lógicas, tanto formais como informais, são encontradas em todos os campos de estudo, e a exegese bíblica não é exceção. A seguir, vou fornecer exemplos de algumas das falácias lógicas mais comuns encontrados em estudos bíblicos. São elas: (1) disjunções falsas, (2) apelos a evidências seletivas, (3) saltos associativos injustificados, (4) silogismos utilizados inapropriadamente, (5) declarações falsas e (6) no sequiturs (do latim – “não se segue” [logicamente]).
Disjunções falsas são feitas quando um argumento é apresentado de uma ou outra forma: ou A ou B é verdadeiro, mas não ambos. No entanto, há momentos em que a resposta é “ambos / e” ao invés de “ou / senão”. Observemos a relação entre Gálatas 3:28 e 1 Timóteo 2:12, por exemplo. Às vezes, afirma-se que a declaração de Paulo em Gálatas 3, de que em Cristo “não há homem nem mulher”, erradica todas as distinções relacionadas ao gênero no ministério da igreja, de modo que a proibição das mulheres ensinando ou exercendo autoridade sobre os homens na igreja em 1 Timóteo 2 deve ser explicado como uma injunção culturalmente relativa. Tanto a igualdade masculino-feminina indiferenciada em Cristo – e a limitação da autoridade da igreja local aos homens – não podem ser verdadeiras, é dito (ou pelo menos implicado), de modo que esse último princípio deve ser relativizado de tal forma que se ajuste ao primeiro. Contudo, esse tipo de pensamento disjuntivo é falacioso. Uma vez que 1 Timóteo 2:12 é fundamentada no plano da criação, e, reciprocamente, no cenário da queda (vv.13-14), a passagem não pode ser facilmente deixada de lado como culturalmente enleada.
Mais promissora é a explicação de que Gálatas 3:28, ao afirmar a irrelevância das distinções entre homens e mulheres concernente à salvação em Cristo, não está buscando abordar os papéis masculino-feminino na igreja, de modo que as passagens pertençam a temas diferentes (embora relacionados). Ambas as afirmações são verdadeiras: homens e mulheres são indiscriminadamente salvos pela graça através da fé em Cristo, e a função de presbítero/supervisor é reservada na Escritura para os homens, de acordo com o plano de criação de Deus.
Os apelos às evidências seletivas são numerosos. Por definição, nos empenhamos nesta falácia lógica sempre que nos referimos apenas a autoridades ou passagens que concordam conosco sobre uma determinada questão, ao mesmo tempo em que não consideram evidências ou autoridades contrárias. Um exemplo específico vem da teologia “do nome e da reivindicação”. Em círculos que adotam esse tipo de pensamento, é comum citar passagens bíblicas que prometem respostas à oração para “tudo que você pedir”. Por exemplo, em João 14:13-14, Jesus diz: “Tudo o que pedirdes em meu nome, isto Eu farei, para que o Pai seja glorificado no Filho. Se você pedir alguma coisa em meu nome, eu o farei”. Em outras ocasiões, a Escritura enfatiza a necessidade de fé da parte daquele que ora (Hebreus 11:6 e Tiago 1:6). Entretanto, as pessoas podem sustentar o nome e a reivindicação numa abordagem apenas pelo uso seletivo de evidência, ignorando outras passagens que colocam certas restrições sobre os tipos de orações que Deus vai responder: orações de discípulos que tomam a sua cruz e seguir a Jesus, orações solicitando recursos para realizar a missão de Deus no mundo e assim por diante. Esses proponentes também tendem a ignorar o mistério do sofrimento (veja, por exemplo, os comentários de Jesus em Lucas 13:1-6), visto que não explicam por que Deus responde a certas orações, mas não a outras (como a salvação dos entes queridos) e negligencia para indicar que não há garantia escritural de que Deus irá responder todas as orações para cura.
Saltos associativos injustificados, da mesma forma, são traiçoeiros e escondem-se algumas vezes. D. A. Carson, em seu excelente livro “Exegetical Falacies” (Falácias Exegéticas), cita o exemplo clássico da declaração de Paulo em Filipenses 4:13: “Tudo posso naquele que me fortalece.” Posso todas as coisas? Como Carson devidamente observa, “a asserção de Paulo não pode ser legitimamente estendida a coisas como saltar sobre a lua, assimilar equações matemáticas complexas na cabeça ou transformar areia em ouro”.
Algumas restrições são trazidas pelo contexto da afirmação de Paulo em sua carta aos filipenses, em sua maior parte da importância do contentamento e de ser capaz de lidar com a pobreza e a riqueza. Outro exemplo comum de um salto associativo é tomar 2 Crônicas 7:14 (“Se o meu povo que se chama pelo meu nome, se humilhar…”) como aplicando diretamente às democracias modernas, quando o ponto de referência original era a Israel como uma teocracia.
Silogismos utilizados inapropriadamente são bastante comuns também. Um exemplo de um argumento de duas etapas para as mulheres que servem como autoridades na igreja, baseado na aplicação do termo cooperador tanto para Timóteo (Romanos 16:21) e para mulheres como Evódia e Síntique (Filipenses 4:2-3), pode ter a seguinte aparência:
Silogismo N° 1:
  • Timóteo é um cooperador de Paulo.
  • Timóteo possuiu uma função de autoridade na igreja.
  • Portanto, todos os cooperadores de Paulo possuíam autoridade na igreja.
Silogismo N° 2:
  • Evódia e Síntique foram cooperadoras de Paulo.
  • Todos os cooperadores de Paulo possuíam autoridade na igreja (a conclusão do primeiro silogismo).
  • Portanto, Evóda e Síntique possuíam autoridade na igreja.
Todavia, existem vários problemas com esse tipo de raciocínio. Mais importante ainda, o primeiro silogismo é inválido: a conclusão não segue corretamente as premissas; isto é, se alguém dissesse (1) que A é B e (2) todo B é C, logo não se pode concluir peremptoriamente dessas premissas que (3) todo A é C.
Na melhor forma, pode-se trabalhar por indução e argumentar que há uma forte probabilidade de que todos os cooperadores de Paulo atuavam (ou pudessem ter atuado) como alguma autoridade na igreja. Não obstante este seria um caso difícil de provar, pois o estudo contextual das passagens importantes sugere que o cooperador, no Novo Testamento, é um termo mais flexível, que pode indicar várias formas de parceria, seja em um ministério conjunto, apoio financeiro ou outras formas de colaboração. Em qualquer um dos casos, nosso ponto aqui é que, os argumentos baseados em silogismos, embora comuns e muitas vezes tendo apelo exterior, pode-se demonstrar mais minucioso para ser falacioso e insustentável.
Declarações falsas também são bastante comuns, embora talvez essa categoria seja melhor rotulada como “o uso de premissas defeituosas”. Esta falácia também pode estar relacionada com o uso falho dos silogismos que acabamos de aludir. Lembre-se, mesmo que um silogismo seja formalmente válido, como vimos, a conclusão ainda pode ser falsa se uma ou ambas as premissas forem defeituosas. Um exemplo disso é a maneira comum de citar Provérbios 29:18: “Não havendo profecia, o povo se corrompe”, com a profecia sendo usada para indicar os planos, desejos e expectativas voltados para o futuro de um líder ou grupo, em vez dos planos proféticos e a revelação, que parece estar em vista aqui. Isso é sabiamente negado pela tradução da ESV do versículo: “Onde não há visão profética o povo rejeita a contenção” (ênfase adicionada).
Ao passo que eu poderia continuar, vou terminar com uma das minhas categorias favoritas – aquela sobre non sequiturs (do latim para “não segue [logicamente]”). Muitos exemplos poderiam ser dados, mas talvez o mais comum sobre este assunto seja os argumentos ilegítimos do silêncio. Por exemplo, considere a afirmação não incomum de que a razão pela qual Marcos e João não mencionam o nascimento virginal é que eles não sabiam sobre ele ou, se o fizeram, não acreditavam nele. Isso claramente não procede logicamente, pois é tanto um argumento no sequitur como um argumento ilegítimo do silêncio. E quanto a outras razões, como o desejo de laconismo [brevidade] de Marcos ou a referência de João à preexistência eterna de Jesus como o Filho de Deus?
Mais importante ainda, eu adoraria ter uma moeda para cada vez que ouvir o argumento de que, como Jesus nunca abordou explicitamente o tema da homossexualidade, podemos presumir com segurança que Ele tolerou tal prática. Esta afirmação, naturalmente, negligencia o fato de que Jesus inequivocamente declarou:
“Não tendes lido que o Criador, desde o princípio, os fez homem e mulher e que disse: Por esta causa deixará o homem pai e mãe e se unirá a sua mulher, tornando-se os dois uma só carne?” (Mateus 19:4-5).
É difícil inferir a partir dessa sólida afirmação do casamento heterossexual que Jesus tolerou o casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Esses exemplos destacam a importância de se engajar no bom raciocínio lógico ao interpretar as Escrituras. Não tenho espaço para abordar inúmeras outras falácias aqui, como as relacionadas a apelos emotivos, analogias impróprias, apelos simplistas à autoridade, falácias baseadas em argumentação equivocada e o uso indevido de expressões óbvias e similares. É suficiente dizer que todo obreiro que verdadeiramente deseja a aprovação de Deus no seu manuseio da Escritura (2 Tm 2:15) fará bem em aplicar-se fervorosamente aos bons princípios de lógica e raciocínio adequado.

Autor: Andreas Kostenberger
Tradução: Leonardo Dâmaso

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