quarta-feira, 25 de janeiro de 2012


Predestinação e Livre-Arbítrio(3)
R.C. Sproul


A VISÃO DE JESUS DA CAPACIDADE MORAL

Fizemos um breve resumo da visão de Jonathan Edwards e de Santo Agostinho sobre o assunto da incapacidade moral. Eu acho que eles são úteis, e estou também persuadido que eles estão corretos. Ainda assim, a despeito de sua autoridade como grandes teólogos, nenhum deles pode exigir de nós nossa submissão absoluta a seus ensinamentos. Ambos são falíveis. Para o cristão, o ensinamento de Jesus é outro assunto. Para nós, assim como para qualquer outra pessoa, se de fato Jesus é o Filho de Deus, o ensinamento de Jesus deve estar atado às nossas consciências. Seu ensinamento sobre a questão da capacidade moral do homem é definitivo.


Um dos ensinamentos mais importantes de Jesus sobre este assunto é encontrado no Evangelho de João. "Por causa disto é que vos tenho dito: Ninguém poderá vir a mim se pelo Pai não lhe for concedido" (Jo 6.65).
Vamos olhar de perto para este versículo. O primeiro elemento do ensinamento é uma negativa universal. A palavra "ninguém" é completamente inclusiva. Não permite nenhuma exceção além das exceções que Jesus acrescenta. A próxima palavra é crucial. É a palavra poderá. Isto tem a ver com capacidade, e não com permissão.
Nesta passagem Jesus não está dizendo: "Não é permitido que ninguém venha a mim". Ele está dizendo, "Ninguém é capaz de vir a mim."

A palavra seguinte na passagem é também vital. "Se" refere-se ao que chamamos de condição necessária. Uma condição necessária refere-se a algo que precisa acontecer antes que outra coisa possa acontecer. O significado das palavras de Jesus é claro. Nenhum ser humano tem a possibilidade de poder vir a Cristo a menos que aconteça alguma coisa que torne possível que ele venha. Essa condição necessária que Jesus declara é que "lhe seja concedido pelo Pai". Jesus está dizendo aqui que a capacidade de vir a Ele é um dom de Deus. O homem não tem capacidade em si mesmo e de si mesmo para vir a Cristo. Deus precisa fazer alguma coisa antes.

A passagem ensina pelo menos isto: Não está dentro da capacidade natural do homem decaído vir a Cristo por si próprio, sem algum tipo de assistência divina. Pelo menos até este ponto, Edwards e Agostinho estão em sólida concordância com o ensinamento de nosso Senhor. A pergunta que permanece é esta: Deus dá a capacidade de vir a Jesus a todos os homens? A visão reformada da predestinação diz que não. Algumas outras visões da predestinação dizem que sim. Porém uma coisa é certa: o homem não pode fazê-lo por seu próprio poder, sem algum tipo de ajuda de Deus.

Que tipo de ajuda é requerido? Até onde Deus precisa ir para vencer nossa capacidade natural de vir a Cristo? Uma evidência é encontrada em outro lugar, neste mesmo capítulo. De fato, há duas outras declarações de Jesus que têm relação direta com esta questão.
Anteriormente, no capítulo 6 do Evangelho de João, Jesus faz uma declaração similar. Ele diz: 
"Ninguém pode vir a mim se o Pai que me enviou não o trouxer" (Jo 6.44). A palavra chave aqui é trouxer. O que significa para o Pai trazer pessoas a Cristo? Muitas vezes tenho ouvido este texto explicado como significando que o Pai precisa convidar ou atrair os homens para Cristo. A menos que isto aconteça, nenhum homem virá a Cristo. Contudo, o homem tem a capacidade de resistir a esse convite ou de recusar a atração. O convite, embora necessário, não compele. Na linguagem filosófica, isso significaria que a atração de Deus é uma condição necessária, mas não suficiente para trazer os homens a Cristo. Em linguagem mais simples, significa que não podemos vir a Cristo sem o convite, mas o convite não garante que viremos, de fato, a Cristo.

Estou persuadido de que a explicação acima, que é tão difundida, está incorreta. Faz violência ao texto da Escritura, particularmente ao sentido bíblico da palavra trouxer. A palavra grega usada aqui é elko. O Dicionário Teológico do Novo Testamento, de Kittel, define-a como significando compelir por irresistível superioridade. Lingüisticamente e lexicograficamente, a palavra significa "compelir".

Compelir é um conceito muito mais vigoroso do que cortejar. Para enxergar mais claramente, vamos dar uma olhada em duas outras passagens do Novo Testamento onde a mesma palavra grega é usada. Em Tiago 2.6, lemos: "Entretanto, vós outros menosprezastes o pobre. Não são os ricos que vos oprimem, e não são eles que vos arrastam para os tribunais?" Adivinhe qual palavra nesta passagem é a mesma palavra grega que em outros lugares está traduzida por trazer. É a palavra arrastar. Vamos agora substituir este texto pela palavra convidar. Ficaria assim: "Não são os ricos que vos oprimem e vos convidam para tribunais?"

O mesmo ocorre em Atos 16.19. "Vendo os seus senhores que se lhes desfizera a esperança do lucro, agarrando em Paulo e Silas, os arrastaram para a praça, à presença das autoridades." Novamente, tente substituir a palavra arrastar pela palavra convidar. Paulo e Silas não foram agarrados e então convidados para irem à praça.
Uma vez me convidaram para debater a doutrina da predestinação num fórum público, num seminário arminiano. Meu opositor era o chefe do departamento de Novo Testamento do seminário. Num ponto crucial do debate, concentramos nossa atenção na passagem a respeito do Pai atraindo pessoas. Meu opositor foi quem trouxe a passagem, como prova para dar suporte à sua alegação de que Deus nunca força ou compele ninguém a vir a Cristo. Ele insistia que a divina influência sobre o homem decaído era restrita à atração, que ele interpretava como tendo o significado de convite.

Nesse ponto do debate rapidamente me referi a Kittel e às outras passagens do Novo Testamento que traduzem a palavra como arrastar. Estava certo de tê-lo vencido. Estava certo de que ele havia entrado numa dificuldade insolúvel para sua própria posição. Mas ele me surpreendeu. Ele me pegou completamente desprevenido. Jamais me esquecerei daquele momento agonizante em que ele citou uma referência de um obscuro poeta grego em que a mesma palavra grega era usada para descrever a ação de tirar água de um poço. Ele olhou para mim e disse: "Bem, professor Sproul, alguém arrasta água de um poço?" Imediatamente a audiência explodiu em gargalhadas por causa da surpreendente revelação do significado alternativo da palavra grega. Eu fiquei ali, parecendo um pouco tolo. Quando as risadas cessaram, repliquei: "Não, senhor. Tenho de admitir que nós não arrastamos água de um poço. Mas, como conseguimos água de um poço? Nós a convidamos? Ficamos em cima do poço e gritamos: "Aqui, água, vem, água?" E tão necessário que Deus venha a nossos corações para nos voltar em direção a Cristo, como é para nós colocar o balde na água e puxá-lo para fora, se quisermos algo para beber. A água simplesmente não virá por si própria, respondendo a um mero convite externo.

Por mais cruciais que sejam estas passagens do Evangelho de João, elas não ultrapassam em importância um outro ensinamento de Jesus no mesmo Evangelho, com respeito à incapacidade moral do homem. Estou pensando na famosa discussão que Jesus teve com Nicodemos em João 3. Jesus disse a Nicodemos: "Em verdade, em verdade te digo que se alguém não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus" (Jo 3.3). Dois versículos depois Jesus repete o ensinamento: "Em verdade, em verdade vos digo: Quem não nascer da água e do Espírito, não pode entrar no reino de Deus".

Aqui encontramos a expressão chave Quem não... Jesus está declarando uma precondição necessária e enfática para a capacidade de qualquer ser humano de ver e entrar no Reino de Deus. Essa precondição enfática é o renascimento espiritual. A visão reformada da predestinação ensina que, antes que uma pessoa escolha Cristo, seu coração precisa ser mudado. Ela precisa nascer de novo. As visões não reformadas ensinam que as pessoas decaídas primeiro escolhem Cristo e depois nascem de novo. 

Aqui encontramos pessoas não regeneradas vendo e entrando no Reino de Deus. No momento em que uma pessoa recebe Cristo, ela está no reino. Não é primeiro crer, e depois se tornar renascido, e então ser introduzido no reino. Como pode um homem escolher um reino que não pode ver? Como pode um homem entrar no reino sem primeiro ser renascido? Jesus estava apontando para a necessidade de Nicodemos de ser nascido do Espírito. Ele estava na carne. A carne produz somente carne. A carne, disse Jesus, não tem nenhum proveito. Como Lutero argumentava: "Isso não significa pouca coisa". As visões não reformadas mostram pessoas respondendo a Cristo sem serem renascidas. Estão ainda na carne. Para as visões não reformadas, a carne não só tem algum proveito, como tem o proveito da coisa mais importante que uma pessoa poderia ganhar — a entrada no reino através de crer em Cristo. Se uma pessoa que ainda está na carne, que ainda não é renascida pelo poder do Espírito Santo, pode inclinar-se ou dispor-se a Cristo, para que o renascimento? Esta é a falha fatal das visões não reformadas. Elas falham em levar a sério a incapacidade moral do homem, a impotência moral da carne.

Um ponto cardeal da teologia reformada é a máxima: "A regeneração precede à fé". Nossa natureza é tão corrupta, o poder do pecado é tão grande que, a menos que Deus faça uma obra sobrenatural em nossas almas, nunca vamos escolher Cristo. Não cremos para sermos nascidos de novo; somos nascidos de novo para que possamos crer.

É irônico que no mesmo capítulo, aliás no mesmo contexto no qual nosso Salvador ensina a absoluta necessidade do renascimento, até mesmo para ver o reino, e quanto mais para escolhê-lo, as visões reformadas encontram uma de suas principais provas para argumentar que o homem decaído conserva uma pequena ilha de habilidade para escolher Cristo. E João 3.16: "...Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna".

O que este famoso versículo ensina a respeito da capacidade que o homem decaído tem de escolher Cristo? A resposta, simplesmente, é nada. O argumento usado pelos não reformados é que o texto ensina que todas as pessoas no mundo têm em seu poder aceitar ou rejeitar Cristo. Uma olhada cuidadosa no texto revela, contudo, que ele não ensina nada desse tipo. O que o texto ensina é que todo o que crê em Cristo será salvo. Quem fizer A (crer) receberá B (vida eterna). O texto não diz nada, absolutamente nada, sobre quem vai crer. Não diz nada sobre a capacidade moral natural do homem decaído. Os reformados e os não-reformados crêem, ambos, de coração, que todos os que crerem serão salvos. Eles discordam, de coração, sobre quem tem a capacidade de escolher.

Alguns podem responder: "Tudo bem. O texto não ensina explicitamente que os homens decaídos têm a capacidade de escolher Cristo sem ser primeiro renascidos, mas isto certamente está implícito". Não estou querendo conceder que o texto chegue mesmo a ter tal coisa implícita. Contudo, mesmo que tivesse, não faria nenhuma diferença no debate. Por que não? Nossa regra para interpretar a Escritura é que as implicações extraídas da Escritura precisam sempre estar subordinadas aos ensinamentos explícitos dela. Não devemos nunca, nunca, nunca, reverter isto e subordinar os ensinamentos explícitos da Escritura a possíveis implicações extraídas dela. Esta regra é compartilhada tanto pelos pensadores reformados como pelos não reformados.

Se João 3.16 implicasse numa capacidade humana natural universal do homem decaído para escolher Cristo, então essa implicação seria varrida pelo ensinamento contrário explícito de Jesus. Já temos mostrado que Jesus explicitamente e sem ambigüidade ensinou que nenhum homem tem a capacidade de vir a Ele sem que Deus faça alguma coisa para dar-lhe essa capacidade, atraindo-o.
O homem decaído é carne. Na carne ele não pode fazer nada para agradar a Deus. Paulo declara: "Por isso, o pendor da carne é inimizade contra Deus, pois não está sujeito à lei de Deus, nem mesmo pode estar. Porquanto o que está na carne não pode agradar a Deus" (Rm 8.7,8).

Perguntamos então: "Quem são aqueles que estão na carne?" Paulo continua declarando: "Vós, porém, não estais na carne, mas no Espírito, se de fato o Espírito de Deus habita em vós..." (Rm 8.9). A palavra crucial aqui é "se". O que distingue aqueles que estão na carne daqueles que não estão é a habitação interior do Espírito Santo. Ninguém que não é renascido é habitado interiormente por Deus o Espírito Santo. Pessoas que estão na carne não foram renascidas. A menos que sejam primeiro renascidas, nascidas do Espírito Santo, elas não podem estar sujeitas à lei de Deus. Não podem agradar a Deus.

Deus nos ordena que creiamos em Cristo. Ele se agrada daqueles que escolhem Cristo. Se pessoas não regeneradas pudessem escolher Cristo, então elas poderiam estar sujeitas a pelo menos uma das ordens de Deus, e poderiam ao menos fazer alguma coisa que fosse agradável a Deus. Se fosse assim, então o apóstolo teria errado aqui ao insistir que aqueles que estão na carne não podem nem estar sujeitos a Deus nem agradá-lo.

Concluímos que o homem decaído é ainda livre para escolher o que deseja, mas, porque seus sentimentos são maus, falta-lhe a capacidade moral de vir a Cristo. Enquanto ele permanecer na carne, não regenerado, nunca escolherá Cristo. Ele não pode escolher Cristo precisamente porque não pode agir contra sua própria vontade. Ele não tem desejo por Cristo. Ele não pode escolher o que não deseja. Sua queda é grande. É tão grande que somente a graça efetiva de Deus operando em seu coração pode trazê-lo à fé.

RESUMO DO CAPÍTULO 3

1. O livre-arbítrio é definido como a "capacidade de fazer escolhas de acordo com nossos desejos."
2. O conceito de "vontade neutra livre", uma vontade sem disposições e inclinações anteriores, é uma visão falsa do livrearbítrio. E tanto irracional quanto antibíblica.
3. O verdadeiro livre-arbítrio envolve um tipo de autodeterminação, que difere da coação por uma força externa.
4. Lutamos com escolhas, em parte porque vivemos com desejos conflitantes e mutantes.
5. O homem decaído tem a capacidade natural de fazer escolhas, mas falta-lhe a capacidade moral de fazer escolhas santas.
6. O homem decaído, como disse Santo Agostinho, tem "livre-arbítrio", mas falta-lhe "liberdade".
7. O pecado original não é o primeiro pecado, mas a condição pecaminosa que é o resultado do pecado de Adão e Eva.
8. O homem decaído é "incapaz de não pecar."
9. Jesus ensinou que o homem não tem poder para vir a Ele sem ajuda divina.
10. Para que uma pessoa escolha Jesus, ela precisa primeiro ser nascida de novo.



Extraído do site: http://www.eleitosdedeus.org/predestinacao/predestinacao-livre-arbitrio-r-c-sproul.html#ixzz1kTIcmklw

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